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Associação Business Roundtable quer certificar PME: “O termo governance assusta muita gente”

Associação Business Roundtable quer certificar PME: “O termo governance assusta muita gente”

A Associação lançou uma ferramenta que permite às pequenas e médias empresas medirem o seu grau de maturidade em termos de governance. Pedro Ginjeira do Nascimento, secretário-geral da Associação, diz ao Expresso SER que o objetivo é recomendar às PME boas práticas de corporate governance para que deixem de ser PME e possam entrar um dia no clube das grandes empresas

A Associação Business Roundtable Portugal é uma espécie de clube reservado às grandes empresas, mas que quer ajudar as pequenas e médias empresas (PME) a escalar e a ganhar dimensão. Para tal, a associação lançou um programa chamado Metamorfose, que é uma espécie de caixa de ferramentas para ajudar as empresas de menor dimensão a ter boas práticas de governança e assim ganhar escala. Numa entrevista por escrito ao Expresso SER, Pedro Ginjeira do Nascimento, secretário-geral da associação, diz que a governance é crítica “para que mais das nossas micro empresas se tornem pequenas, as pequenas cheguem a médias e, sobretudo, as médias cheguem a grandes e globais”.

A Associação Business Roundtable Portugal é constituída por um grupo de 41 empresas que, em conjunto, empregam mais de 380 mil pessoas, geram receitas no valor de 82 mil milhões de euros e investem anualmente mais de 6,8 mil milhões de euros.

E que ferramentas tem este programa Metamorfose? Tem um guia desenhado para ajudar as PME a saber o que é a boa governança e tem também um sistema de “scoring”, que acabou de ser lançado, e que permite às PME fazer um exercício de autoavaliação e receber recomendações que podem implementar na empresa. E está em fase de projeto piloto uma terceira ferramenta, - a Bolsa de Conselheiros, - que vai colocar as PME em contacto com um especialista no setor que as vai ajudar a adotar boas práticas em termos de governance.

Mas, afinal, o que é isto de governance? A governance é um conjunto de regras e condutas que enquadram e orientam a organização, a administração e o controlo das empresas. Eis alguns exemplos de temas relacionados com a governança: a forma como o poder é exercido dentro da empresa; a regulação da atividade dos seus órgãos de gestão e de fiscalização; a relação entre o conselho de administração, a gestão executiva e os detentores do capital; o relacionamento da empresa com entidades externas como reguladores, auditores e outros “stakeholders”; e a forma como se mitigam os múltiplos riscos da atividade empresarial.

Ao Expresso SER, Pedro Ginjeira do Nascimento, secretário-geral da Associação Business Roundtable Portugal afirma que o objetivo deste programa Metamorfose é ajudar 50 mil PME e que o objetivo do “scoring” é evoluir no sentido de um dia passar a ser um sistema de certificação de empresas. Com isto, garante o responsável, será mais fácil o acesso ao financiamento e ficará também facilitado o relacionamento com os clientes e fornecedores.

As PME portuguesas estão sensibilizadas para este tema da governance?
O termo governance assusta muita gente. Parece complexo, pesado e sobre algo negativo. Ou então é visto como um tema das grandes empresas, em particular das cotadas, que têm um conjunto de obrigações com o mercado e com os seus stakeholders externos. Por estas razões, e também porque o foco dos líderes das pequenas e médias empresas continua a estar na operação do dia a dia, este tema acaba por não ser uma prioridade para a generalidade dos líderes destas organizações.

Mas a verdade é que o governance – em português, regras de boa governança – é importante em todas as fases de desenvolvimento empresarial, desde o momento em que o empreendedor cria a empresa até quando ela se torna uma grande empresa. Tal como a organização, também as práticas de boa governança vão evoluindo e preparando a empresa para o seu crescimento sustentável.

O debate público que se tem gerado em torno do ESG tem ajudado a sensibilizar o tecido empresarial, mas a discussão não se pode ficar apenas pelo “E” e pelo “S”, como geralmente vemos. É fundamental que os líderes empresariais percebam as oportunidades que um governance mais adequado e profissionalizado pode trazer para o crescimento e sustentabilidade das suas empresas. É preciso olhar para o governance com outros olhos.

O facto de termos um tecido produtivo com uma percentagem muito elevada de PME torna mais difícil a disseminação deste tipo de boas práticas de corporate governance?
Portugal tem efetivamente menos grandes empresas do que outros países europeus, no entanto não compara mal em termos do número de PME. É importante desmistificar essa situação. As pequenas e médias empresas representam 34,4% do emprego em Portugal, quando a média da UE é de 33,5%. Temos, sim, demasiadas micro empresas – representam 44,1% do emprego, 33,5% na UE, ou seja, o peso das micro empresas em Portugal é 32% superior ao da Europa. E porque as grandes empresas criam mais riqueza e, por isso, investem mais, pagam melhores salários e mais impostos, esta falta de grandes empresas penaliza o nosso nível de riqueza e de bem estar.

Realizámos recentemente um estudo com a NOVA IMS sobre o impacto das grandes empresas no país que comprova que as grandes empresas têm um Valor Acrescentado Bruto (a Preços de Mercado) 10x maior do que as médias e são 3,7x mais produtivas do que estas organizações. Pagam melhores salários (+30% do que as médias e +70% do que as pequenas) e investem mais em R&D (9x mais do que as médias e 30x mais do que as pequenas). O que vemos é que Portugal tem um deficit de grandes empresas. Para termos uma noção mais clara: o peso das grandes empresas no Volume de Negócios do tecido empresarial é de 29%, em Espanha 38%, na Alemanha 52% e em França 58%.

O governance é, assim, crítico para que mais das nossas micro empresas se tornem pequenas, as pequenas cheguem a médias e, sobretudo, as médias cheguem a grandes e globais. Só assim podemos ter um país com mais oportunidades, maior bem estar social, mais justo e mais desenvolvido.

De uma forma resumida, que programa é este do Metamorfose e que ferramenta é esta do scoring?
O Metamorfose é um programa integrado de corporate governance que procura desmistificar o que é o governance, traduzindo para uma forma mais simples, prática e evolutiva – da fase de start-up até grande empresa –, aquelas que são as boas práticas que devem ser construídas e implementadas.

Foi desenvolvido com base na experiência e no conhecimento prático dos executivos das 41 empresas da Associação BRP, e é destinado às PME nacionais. É um programa integrado porque é constituído por três ferramentas muito práticas que se complementam: um guia de boas práticas, um scoring e uma bolsa de conselheiros.

1) O Guia, desenhado com o Instituto Português de Corporate Governance, está disponível gratuitamente numa plataforma online de fácil consulta (www.metamorfose-governance.pt). Pretende desmistificar a temática, dar a conhecer a todas as PME o que é o governance, mostrando como vai evoluindo com a dimensão e complexidade da própria empresa. A vantagem deste guia é que apresenta o governance de forma prática, concreta, como um modelo evolutivo, em vez de um modelo único, que tem de ser aplicado independentemente da dimensão e complexidade do negócio.

2) O Scoring, que acabámos de disponibilizar publicamente, é uma ferramenta de autodiagnostico que permite às PME medirem o seu grau de maturidade em matéria de governance, conhecerem os seus pontos fortes/fracos, compararem a sua avaliação com os resultados de outras empresas do mesmo setor, dimensão ou geografia, e, por fim, receberem uma recomendação de quais as áreas mais prioritárias para reforço do governance.

Tem como base um questionário simples e adaptativo, já que o número de perguntas às quais se tem de responder varia consoante o nível de maturidade das práticas que as empresas já têm implementadas – por exemplo, se a empresa responde que não tem um Conselho de Administração, já não lhe é perguntado se o Conselho tem gestores profissionais, elementos independentes, etc. Mas, mais do que dizer o que as empresas devem ou não fazer, o Scoring pretende levar os responsáveis a refletir sobre estas questões, sugerindo caminhos de solução e ação, cabendo a cada empresa escolher qual o melhor face à sua realidade empresarial.

3) Por fim, a Bolsa de Conselheiros, está disponível para empresas que tenham já um certo grau de maturidade de governança. Sabendo que um dos passos mais difíceis de implementar pelas PME é o de encontrar bons conselheiros não executivos e independentes que acrescentem valor, este programa pretende, recorrendo ao talento existente nas nossas associadas (mas não só), facilitar às pequenas, mas sobretudo às médias empresas, o acesso a administradores/advisors não executivos e independentes que os desafiem e apoiem o seu caminho de crescimento para chegar a grande empresa.

Já é possível fazer algum balanço do número de PME que estão a usar as ferramentas disponibilizadas pela Associação BRP? (o guia de Boas Práticas, o Scoring e o piloto da Bolsa de Conselheiros?)
O programa integra diferentes modelos de apoio às empresas, cada um vocacionado para um tipo de público-alvo diferente dentro das 50.000 pequenas e médias empresas que pretendemos alcançar. Afirmar quantas empresas estamos a apoiar não é, assim, linear. Podemos adiantar que temos tido uma surpreendente reação das empresas e empresários, e recebido muitos contactos à procura destes diferentes tipos de apoio. Noutros casos, fomos nós a contactar proactivamente as empresas.

Com o Scoring, ficaríamos muito satisfeitos se, nesta primeira fase, conseguíssemos apoiar 250 a 300 PME a reforçarem as suas estruturas de governance e a criarem condições para o seu crescimento. É preciso não esquecer que Portugal tem apenas cerca de 1.300 grandes empresas e que estas pesam apenas cerca de 28% do volume de negócios do país. Acreditamos que se conseguirmos fazer crescer este número em 10% – mais 130 grandes empresas –, começaremos a ver mudanças no país e a acelerar a capacidade de Portugal criar riqueza e bem estar social.

O debate público que se tem gerado em torno do ESG tem ajudado a sensibilizar o tecido empresarial, mas a discussão não se pode ficar apenas pelo “E” e pelo “S”, como geralmente vemos.”

Dizem querer que esta ferramenta do Scoring evolua para um modelo de certificação em governance. Porquê?
Numa altura em que nos mercados financeiros se fala cada vez mais de ESG como critério essencial de acesso a capital – quer capital próprio (equity), quer alheio (obrigações, empréstimos ou qualquer outra forma) –, é fundamental que as empresas olhem para o tema do governance com particular atenção.

Uma certificação que seja reconhecida nesta matéria permitiria atestar formalmente a robustez do modelo de governance de uma empresa e facilitar o acesso a condições mais vantajosas, por exemplo, de financiamento, contratação de serviços ou a relacionamentos de maior confiança com os seus clientes e fornecedores. Seria um instrumento importante para as empresas, que viam reconhecida e recompensada a sua preocupação e esforço com a sustentabilidade do seu negócio.

Naturalmente que, só por si, esta certificação conduziria a um maior compromisso das empresas com as boas práticas de governance, podendo ser também, e por isso, encarado como um instrumento de sensibilização para a temática.

Como está a correr o piloto da Bolsa de Conselheiros? Que papel terá este Conselheiro no apoio às PME? Para quando o arranque sem ser em piloto deste terceiro pilar do programa Metamorfose? E quantas empresas vai abranger?
Estamos a testar a iniciativa através de um piloto com 4 dos 40 conselheiros que já integram a bolsa, o que nos tem vindo a permitir ajustar o modelo, antes de o escalar. Prevemos que a Bolsa avance de forma mais generalizada no quarto trimestre deste ano. Temos sentido uma grande expetativa por parte das empresas e dos próprios quadros que participam em iniciar esta experiência, e o feedback do piloto tem sido muito positivo, pelo que queremos alargá-lo assim que possível.

No fundo, o conselheiro tem como missão apoiar e desafiar a empresa no seu processo de crescimento, mas não só. É expetável que a possa ajudar a pensar no seu modelo de gestão, de negócio e, se possível, de globalização. Não se trata apenas de cumprir um requisito do bom governance que é a integração de um profissional não executivo e independente nos seus órgãos sociais, mas de, com profundo respeito pelas regras da concorrência, colocar a vasta experiência e conhecimento destes quadros ao serviço das PME com maior potencial. Será sempre uma relação win-win, visto que estes profissionais também terão oportunidade de conhecer outros setores, mercados, dinâmicas empresariais e de contactar com outros profissionais.

Estes programas como o scoring ou a Bolsa de Conselheiros têm algum custo para as PME?
O programa Metamorfose e todas as suas ferramentas estão disponíveis de forma gratuita a todas as PME nacionais. Somos movidos pelo nosso propósito de acelerar o crescimento do nosso país, de forma a voltar a colocá-lo entre as economias europeias mais desenvolvidas. Ter um maior número de grandes empresas é um caminho essencial para cumprirmos esse propósito, visto que estas são mais produtivas, investem e inovam mais, e pagam melhores salários e mais impostos, como referimos anteriormente. Esta será a nossa melhor retribuição – fazer parte de um Portugal muito melhor do que é hoje.

3 passos para saber se a sua empresa está bem cotada

  1. As empresas podem aceder ao site https://scoring.metamorfose-governance.pt/ e fazer o seu registo (introduzindo o NIPC, email, palavra-passe, Código da Certidão Permanente e comprovativo de morada fiscal). Depois de entrar no programa, na “Definições de Conta”, podem preencher o Perfil da Empresa e os Dados Evolutivos relativos aos últimos quatro anos (maturidade, faturação, número de colaboradores e presença internacional).
  2. Para fazer a avaliação, as empresas têm de preencher um questionário. A cada resposta corresponde uma determinada pontuação. O número de perguntas irá variar consoante o nível de maturidade das práticas já implementadas. Por exemplo, se responder que não tem um conselho de administração, já não lhe será perguntado se este órgão tem gestores profissionais ou elementos independentes.
  3. No final, submeta o questionário e visualize os resultados no painel central, nomeadamente a pontuação alcançada e o gráfico de radar com os resultados expectáveis para o nível de maturidade da sua empresa e a média das empresas comparáveis. Pode utilizar o comparador para customizar a análise comparativa por sector, geografia, tipo de sociedade ou presença internacional. Este programa também fará recomendações relacionadas com boas práticas de governance.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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